A Unidade na Diversidade: Vivendo de Forma Digna da Vocação Cristã

Imagine um coral onde cada cantor decide entoar uma música diferente simultaneamente. Um canta “Maravilhosa Graça”, outro “Ele é Exaltado”, um terceiro “Castelo Forte”, e o último “Grande é o Senhor”. O resultado? Uma cacofonia ensurdecedora que machuca os ouvidos e entristece o coração. Ou pense numa construção onde cada pedreiro coloca tijolos conforme sua própria vontade, sem seguir o projeto: um na vertical, outro na horizontal, outro criando paredes curvas onde deveriam ser retas. A estrutura inevitavelmente rachará e desabará.

Assim também é a igreja quando não caminha unida. Quando cada membro decide seguir seu próprio caminho, seus interesses pessoais, suas preferências individuais, esquecendo completamente que fomos chamados para ser um corpo, uma família, uma casa espiritual edificada sobre Cristo Jesus.

Esta é a preocupação central do apóstolo Paulo em Efésios 4:1-16, um texto que nos desafia profundamente sobre como vivemos nossa fé comunitariamente.

O Chamado à Coerência Cristã

Paulo inicia sua exortação com palavras carregadas de autoridade espiritual: “Como prisioneiro no Senhor, rogo-lhes que vivam de maneira digna da vocação que receberam” (Ef 4:1). É significativo que Paulo se identifique como “prisioneiro no Senhor” e não simplesmente prisioneiro de Roma. Mesmo encarcerado fisicamente, Paulo sabia que sua vida era controlada por Cristo, não por César.

A expressão “vivam de maneira digna” traz a ideia fundamental de coerência e equilíbrio. Nossa vida deve refletir a fé que professamos, o nome da família à qual pertencemos e o Deus a quem servimos. Somos embaixadores de Cristo neste mundo, e cada palavra, gesto e ação representa o Reino que proclamamos.

Nos capítulos anteriores de Efésios, Paulo apresentou as verdades gloriosas da salvação: fomos escolhidos, predestinados, adotados, redimidos e selados pelo Espírito Santo. Éramos mortos em delitos e pecados, mas Deus, rico em misericórdia, nos deu vida e nos salvou pela graça mediante a fé em Jesus Cristo. Agora, a partir do capítulo 4, Paulo mostra como essas verdades devem transformar nossa maneira de viver.

As Virtudes Essenciais Para a Unidade

A primeira forma de viver dignamente da vocação cristã é preservar a unidade da igreja. Paulo não diz para criarmos essa unidade, mas para conservá-la. Isso é crucial: a unidade já existe. Ela é obra sobrenatural de Deus, que uniu pessoas diferentes—com origens, culturas, idades e até opiniões políticas distintas—em um só povo em Cristo.

Mas embora a unidade seja uma realidade espiritual, ela precisa ser zelosamente guardada. Paulo usa uma palavra grega que sugere esforço intenso, como o de um atleta dedicado ao treinamento. Manter a unidade não é automático nem natural; requer trabalho, tempo, energia, oração, perdão e paciência.

Paulo então destaca quatro virtudes fundamentais que sustentam essa unidade:

Humildade

No mundo greco-romano, humildade era considerada fraqueza. Mas para Paulo, humildade é a marca de quem entendeu sua posição diante de Deus. É reconhecer que Cristo, não nós, é o centro. É valorizar o irmão acima de nós mesmos (Fp 2:3-4), abrindo mão do orgulho, ego e vaidade que causam divisões.

Charles Spurgeon afirmava que “o orgulho é a mãe da divisão”. De fato, não existe unidade sem humildade. O próprio Cristo, sendo Deus, humilhou-se, tomando forma de servo e obedecendo até a morte de cruz (Fp 2:5-8). Se Ele se humilhou por nós, quem somos nós para não viver em humildade com os irmãos?

Mansidão

Mansidão não é passividade ou fraqueza, mas a capacidade de responder com brandura mesmo quando provocados. Jesus declarou: “Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra” (Mt 5:5), e nos convidou: “Aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração” (Mt 11:29).

A mansidão não significa ausência de discordância, mas que, mesmo quando discordamos, tratamos uns aos outros com respeito, gentileza e coração ensinável. Quantas divisões em nossas igrejas poderiam ter sido evitadas se tivéssemos respondido com mansidão em vez de dureza?

Paciência

Longanimidade—literalmente “ânimo longo”—é a capacidade de suportar sem desistir, de não reagir imediatamente à ofensa, de saber esperar. Paulo não está pedindo que sejamos negligentes com o pecado, mas que suportemos as imperfeições, diferenças de personalidade, cultura e maturidade uns dos outros.

A igreja não é composta de pessoas perfeitas, mas de pecadores em processo de santificação. Se não aprendermos a ter paciência uns com os outros, jamais conseguiremos manter a unidade.

Amor

O amor é o laço que mantém tudo unido. Não é mero sentimento, mas decisão consciente de buscar o bem do outro, custe o que custar. Jesus afirmou: “Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros” (Jo 13:35).

Paulo especifica: “suportando uns aos outros com amor”. Suportar implica aguentar, carregar, sustentar. Reconhecemos que nosso irmão é pecador como nós, que falhará como também falhamos. Mas ao invés de abandonar a comunhão, escolhemos em amor suportar, perdoar, caminhar juntos, carregar o peso das fraquezas uns dos outros.

Cristo nos amou e nos suportou até a cruz, carregando nossos pecados, falhas e imperfeições. Se Ele suportou tudo isso por nós, como podemos recusar-nos a suportar os irmãos em amor?

O Fundamento Trinitário da Unidade

Paulo então apresenta sete fundamentos da unidade cristã, número que na Escritura frequentemente simboliza plenitude e perfeição. Esses elementos se agrupam em torno das três pessoas da Trindade:

O Espírito Santo: Há um só corpo e um só Espírito, assim como a esperança para a qual vocês foram chamados é uma só (v. 4). É o Espírito quem nos insere no corpo de Cristo (1 Co 12:13), habita em todos os crentes, nos guia em unidade e nos dá a certeza da esperança futura.

O Filho: Há um só Senhor, uma só fé, um só batismo (v. 5). Jesus é o Senhor soberano, o alvo da nossa fé salvífica, e o batismo representa nossa união com Ele em Sua morte e ressurreição.

O Pai: Um só Deus e Pai de todos, que é sobre todos, por meio de todos e em todos (v. 6). Deus é soberano sobre todos, age por meio de todos, e está presente em todos os seus filhos.

Paulo estava escrevendo para uma igreja em Éfeso composta de judeus e gentios que historicamente se odiavam. Mas ele argumenta: vocês foram reconciliados em Cristo. O Deus que os salvou é um só, o Espírito que habita em vocês é o mesmo, o Senhor que seguem é o mesmo, o Pai que os adotou é o mesmo. Portanto, vivam em unidade.

Hoje enfrentamos desafios semelhantes. Dividimo-nos por questões políticas, ideológicas, raciais e sociais—até dentro das igrejas. Mas a Palavra grita: parem com isso! Vocês têm um só Espírito, seguem um só Senhor, foram adotados por um só Pai. Portanto, são irmãos, independentemente das diferenças. Vivam em unidade!

Diversidade de Dons na Unidade do Corpo

Paulo então mostra como a unidade se desenvolve através da diversidade de dons. Cristo, como Rei vitorioso, desceu à terra, venceu o pecado, a morte e o diabo, subiu em triunfo aos céus e distribuiu dons à Sua igreja.

Cada crente—sem exceção—recebeu uma medida específica da graça de Deus, uma capacitação para servir. Isso significa duas coisas vitais: primeiro, ninguém escolhe seu dom por mérito pessoal; é presente de Cristo dado conforme Sua vontade. Segundo, todos os que creem recebem um dom; não há membros sem função no corpo de Cristo.

Se você é cristão, recebeu de Cristo um dom para contribuir na edificação do corpo. A pergunta não é se você tem um dom, mas: você está usando o que Cristo lhe deu ou enterrando-o como o servo infiel?

Cristo presenteou a igreja com dons ministeriais específicos: apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres (v. 11). Apóstolos e profetas lançaram o fundamento da igreja, recebendo e transmitindo a revelação divina. Evangelistas proclamam as boas novas, expandindo o Reino. Pastores e mestres cuidam do rebanho, alimentando-o com a Palavra e protegendo-o dos lobos.

Mas o objetivo crucial desses líderes não é realizar todo o ministério, mas “preparar os santos para a obra do ministério, para que o corpo de Cristo seja edificado” (v. 12). O ministério da igreja não é responsabilidade apenas dos líderes, mas de todos os santos. O papel da liderança é equipar, capacitar toda a igreja para o serviço.

O Alvo: Maturidade Espiritual

O propósito final dos dons e líderes é conduzir a igreja “à unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, e cheguemos à maturidade, atingindo a medida da plenitude de Cristo” (v. 13).

Maturidade espiritual não se mede por quantos versículos decoramos, pregações ouvimos, tempo de conversão ou cargos ocupados. Mede-se por semelhança com Cristo. Quando alguém o ofende, você reage como Cristo? Quando alguém precisa de perdão, você perdoa como Cristo? Quando alguém está necessitado, você se compadece como Cristo?

Paulo alerta contra a imaturidade: “O propósito é que não sejamos mais como crianças, levados de um lado para outro pelas ondas, nem jogados para cá e para lá por todo vento de doutrina” (v. 14). Crentes imaturos são instáveis, facilmente enganados por qualquer novidade, pregador carismático ou promessa fácil. Preferem lives e frases de efeito ao invés da leitura bíblica e ensino sólido da igreja local.

O caminho do crescimento é claro: “seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo” (v. 15). Não apenas verdade, nem apenas amor, mas verdade em amor. Como disse John Stott: “Nosso amor amolece se não for fortalecido pela verdade, e nossa verdade endurece se não for suavizada pelo amor”.

O Corpo Funcionando em Harmonia

Paulo conclui com uma imagem poderosa: “Dele todo o corpo, ajustado e unido pelo auxílio de todas as juntas, cresce e edifica-se a si mesmo em amor, na medida em que cada parte realiza a sua função” (v. 16).

O corpo só cresce saudável quando cada parte cumpre sua função. Não existe cristão irrelevante na igreja, não existe “peça sobressalente” no corpo de Cristo. Se você foi salvo, foi chamado para servir. Se não está servindo, o corpo está mancando e sofrendo.

Como num time de futebol, quando um jogador decide não correr, não marcar, não passar a bola, o time inteiro sofre. Não importa a posição—todas são vitais para a vitória. Assim na igreja: se um membro deixa de servir, o corpo todo perde, a igreja fica mais fraca, a obra de Deus é prejudicada, o Reino de Cristo não avança como deveria.

Vivendo a Unidade Hoje

Vivemos numa cultura profundamente individualista que coloca o “eu” no centro de tudo. Essa mentalidade tem invadido sutilmente nossas igrejas. Encontramos crentes que querem servir, mas não se submeter à liderança; que mudam de igreja ao menor desconforto; que querem ser servidos, mas não servir; que querem os benefícios da comunhão sem pagar o preço dos relacionamentos difíceis.

Mas Deus, em Sua graça, nos colocou num corpo. Não fomos chamados para andar sozinhos, mas para caminhar juntos. Cristo é a Cabeça, nós somos os membros. Ele nos deu dons únicos, irmãos e irmãs para a jornada, um propósito comum maior que nossos projetos pessoais.

Diante desta verdade, avalie: você tem semeado comunhão ou divisão? É conhecido por apaziguar ou alimentar conflitos? Suas palavras, olhares e atitudes têm peso espiritual. Um comentário impensado abre feridas, uma crítica sem amor gera divisões, uma fofoca aparentemente pequena destrói a confiança. Seja construtor de pontes, não de muros.

Use seus dons para a glória de Deus e edificação da igreja. Pare de enterrar o que Deus lhe deu por medo, preguiça ou falsa humildade. Coloque seus talentos à disposição de Cristo. Procure a liderança e se ofereça para servir. Cristo o capacitou—seus dons não foram dados para ficarem guardados.

Cresça em maturidade e edifique outros. Troque minutos de redes sociais por leitura bíblica. Envolva-se na vida espiritual de outro irmão. Ore por alguém, envie uma mensagem encorajadora, convide alguém para estudar a Bíblia juntos. Crescimento espiritual é comunitário.

Conclusão

A igreja é como uma construção magnífica que Deus edifica através dos séculos. Cristo Jesus é o fundamento sólido, a pedra angular. Nós somos as pedras vivas colocadas uma sobre a outra, uma ao lado da outra, formando este templo espiritual.

Quando cada elemento coopera segundo o projeto do Arquiteto divino, quando cada pedra encontra seu lugar específico, quando há harmonia entre as diferentes partes, a casa cresce firme, bonita, sólida e gloriosa.

Fomos chamados para cooperar como membros de uma orquestra tocando uma sinfonia gloriosa—cada um com instrumento diferente, sons diferentes, mas todos seguindo a mesma partitura e tocando a mesma música. Fomos criados para caminhar juntos como família indo na mesma direção, com o mesmo destino, compartilhando alegrias e dividindo tristezas.

Esforce-se para manter a unidade. Viva de forma digna da vocação que recebeu. E lembre-se: onde há unidade genuína entre os irmãos, ali Deus concede a bênção da vida para sempre.

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